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Qual o reflexo que o governo Biden pode trazer para a economia brasileira?

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Em primeiro lugar, vale lembrar que o Brasil não é uma ilha, ou seja, apesar de sermos um país relativamente fechado (com proporção de comércio em relação ao PIB em 29%, frente à média de 60% dos países da OCDE), somos impactados por fluxos de ativos financeiros, por investimentos diretos na nossa economia e tendências político-econômicas ao redor do mundo.

Tais acontecimentos se tornam ainda mais relevantes quando se trata da escolha do líder da maior economia do mundo – e nosso segundo maior parceiro comercial, responsável por quase 10% das nossas exportações, e 16% dos produtos que importamos do mundo (dados de janeiro a setembro de 2020). Deste modo, não é difícil perceber uma relação positiva entre o crescimento econômico dos EUA e do Brasil nas últimas décadas – mesmo sem haver causalidade. Da mesma maneira, a volatilidade observada historicamente nos mercados brasileiros, durante períodos eleitorais nos EUA, como a que vivenciamos no último mês (também influenciada por incertezas causadas pelo coronavírus), é reflexo inevitável dessa dinâmica.

A principal ação de curto prazo do novo governo deve ser a implementação de um pacote adicional de estímulos fiscais para combater os efeitos da pandemia da covid-19. Mesmo com minoria democrata no Senado, a administração Biden deve tentar aprovar uma nova rodada de estímulos fiscais para a economia norte-americana. O pacote deverá ter menor magnitude do que o inicialmente proposto por deputados democratas (hoje, algo próximo de US$ 1 trilhão), e provavelmente será focado em determinados setores, em especial aqueles centrados na transição para uma economia de baixo carbono.

Acreditamos que o movimento terá também consequências para a moeda norte-americana, contribuindo para a tendência de enfraquecimento global do dólar observado nos últimos meses. O dólar deverá se enfraquecer também frente às moedas de economias emergentes. Este fator, somado a melhora dos resultados comerciais e à alta das commodities, sugerem um Real mais apreciado (projetamos a taxa de câmbio em 4,90 reais por dólar no final de 2021, em nosso cenário base que o teto de gastos públicos brasileiro é mantido).

Já no âmbito diplomático-comercial, um mundo sob a liderança de Biden nos EUA tende a tornar-se mais previsível, colaborando para a retomada do comércio global frente à forte desaceleração observada nos últimos anos. Sua postura considerada mais moderada e favorável ao livre comércio (tanto quando comparado a pares democratas quanto opositores republicanos) deverá focar em reconstruir pontes com organismos e acordos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a OCDE e o Acordo de Paris, além de optar por soluções multilaterais em conflitos geopolíticos – como questões envolvendo o Irã, a Coreia do Norte e a própria China.

O acordo comercial inicialmente firmado entre Trump e Xi Jiping deverá ser reavaliado sob esse prisma, de modo a contemplar visões multilaterais sobre comércio e economia. No Brasil, alguns setores podem ser prejudicados por uma potencial retirada de tarifas entre as duas potências, e o fortalecimento de importações agrícolas norte-americanas por parte da China. Por outro lado, o arrefecimento das tensões geopolíticas deve pesar positivamente no longo prazo, ao sugerir uma perspectiva melhor para o crescimento global e impactar positivamente toda a cadeia produtiva brasileira.

Riscos: mais regulações e impostos, e uma possível relação diplomática mais conturbada no curto prazo

Considerando os riscos do cenário da nova cara de Washington à economia global, os principais destaques são o enrijecimento de regulações, e um aumento substancial de carga tributária, tanto focado em empresas quanto na parcela mais rica da população. Ou seja, uma economia norte-americana mais regulada e taxada, com suas consequências sobre a economia global. 

Discussões como a tributação e a maior regulação de conglomerados de tecnologia devem ganhar força, afetando tendências de mercado ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, o forte posicionamento de Biden sobre questões de cunho ambiental deverá trazer perdas substanciais para indústrias carbono-intensivas, em especial as de óleo e gás e a automobilística tradicional — essa última que tem sido um importante motor na retomada econômica no pós-pandemia.

Nesse contexto, a negociação e o debate com a parcela republicana no Congresso serão essenciais para evitar agendas mais radicais, como a elevação substancial de impostos e o banimento da exploração de petróleo de gás de xisto.

Enquanto isso, no Brasil, a eleição de Biden traz receios de que ficaremos ainda mais isolados diplomaticamente no curto prazo, especialmente diante do compartilhamento de opiniões e personalidades similares entre Bolsonaro e o ex-presidente norte-americano. De toda forma, é esperada alguma moderação pragmática no discurso, como ocorreu quando Alberto Fernandez se elegeu presidente da Argentina.

A agenda ambiental e a retórica brasileira

De fato, a priorização da agenda de proteção ao meio ambiente de Biden e aliados pode se tornar um ponto de fricção com o Brasil, pelo menos no curto prazo. Nesse sentido, devemos esperar flancos tanto entre o posicionamento dos EUA e a retórica adotada pela atual administração no Brasil sobre questões como o combate ao desmatamento e a proteção da região Amazônica e terras indígenas.

Por outro lado, assim como na relação com a China, a pressão por parte de um governo Biden sobre o Brasil provavelmente se dará no âmbito de instituições multilaterais, como a OCDE. Apesar de destacado em posicionamentos eleitorais, é improvável que Biden opte por vias combativas diretamente, como a implementação bilateral de sanções econômicas, ainda mais se isso representar uma nova frente de conflito internacional para os EUA.

No longo prazo, o aumento da pressão multilateral sobre a postura brasileira em relação ao tema ambiental pode levar a um impacto positivo para a agenda ESG no Brasil. O alinhamento com as melhores práticas internacionais no âmbito do meio ambiente, por exemplo, é condição necessária para garantir não somente a adesão do Brasil aos instrumentos legais de meio ambiente da OCDE, mas também para garantir o apoio de países membro para a acessão brasileira à instituição.

De maneira similar, uma mudança de retórica poderia beneficiar o Brasil diante de grandes conglomerados comerciais que atestam oposição ao posicionamento brasileiro, e nas negociações finais do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, nos fortalecendo ante posturas muitas vezes de cunho protecionista por parte de setores agrícolas do bloco.

Amigos, amigos, negócios à parte

Do ponto de vista comercial, as relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e os EUA são de longa data e mutualmente favoráveis.  Dificilmente serão estruturalmente alteradas (para o bem ou para o mal) por conta de afinidades pessoais. Exemplo disso é a virtual manutenção das condições comerciais entre os dois países no período de convívio entre Trump e Bolsonaro.

Com exceção de alguns posicionamentos pontuais, como o apoio (por ora não consolidado) de Trump ao pedido de acessão do Brasil à OCDE, a relação político econômica entre Brasil e EUA não sofreu grandes modificações durante o governo Trump, se comparado aos líderes anteriores. Essa realidade é ilustrada no gráfico abaixo, que retrata as relações comerciais entre os países nos últimos dez anos. 

Reflexo disso foi o recente anúncio do governo norte-americano de redução de cotas de importação de aço do Brasil aos EUA. Após acordo firmado entre Trump e Bolsonaro em 2018 para evitar a elevação de tarifas aplicadas a países exportadores de aço (que reduziu as alíquotas ao Brasil e outros parceiros selecionados), os EUA novamente anunciaram a redução do limite de importações do Brasil permitidas de determinados produtos de aço.

Finalmente, vale notar que os recém-anunciados acordos assinados entre Brasil e EUA não contemplam essa questão, e nem outras de relevância econômica e comercial, como regras sobre propriedade intelectual, padronização de barreiras fitossanitárias que afetam a indústria de produção bovina, ou um acordo para evitar dupla tributação – podendo ser considerado um acordo que atesta boas intenções, mas de abrangência limitada e pouco específica. 

Conclusão

Um governo Biden certamente trará mudanças de curto prazo significativas para a economia dos EUA, refletindo também no palco político-econômico global. Porém, a urgência da crise da Covid-19 não dá margem para medidas muito arriscadas, devendo ser priorizados pacotes de estímulo à retomada da economia.  Além disso, a disposição equilibrada do Congresso (com maioria democrata na Câmara e republicana no Senado) e o sistema de freios e contrapesos das sólidas instituições americanas reduzem o escopo para mudanças estruturais mais profundas nos próximos anos.

Desta forma, se não forem necessárias medidas mais agressivas de distanciamento social como vem ocorrendo na Europa, o início do governo Biden pode ser favorável às economias emergentes, consolidando o movimento de um dólar mais fraco no mundo.

No Brasil, o curto prazo pode reservar animosidades entre o presidente eleito e a administração Bolsonaro. Por outro lado, o arrefecimento de tensões geopolíticas e comerciais trará maior estabilidade global, favorecendo o ímpeto de abertura comercial iniciado no Brasil, enquanto pressões por vias diplomáticas e multilaterais podem reservar um desfecho construtivo para a questão ambiental no país.

Fonte: XP Investimentos

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